sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

PAMONHAS DE PIRACICABA



Caminhava tranquilamente pela rua XV de Novembro quando cruzei com um senhor já bem idoso cantarolando uma antiga música caipira que eu tinha ouvido pela última vez há uns vinte anos. Entrei em uma loja de calçados chamada “Magic” e fui atendido por uma simpaticíssima moça chamada Paula.
A vendedora trouxe-me o sapato que eu escolhera, no número que eu solicitara, fazia tudo exatamente do jeito que eu queria, e quando eu provava o calçado, ela olhou-me com aquele jeito meigo e me disse:
- Se apertá no carcanhá e só falá que vou trocá.
Depois de me ter dito aquelas palavras, o sapato poderia ter apertado no peito do pé, no dedão do pé, no coração do pé, que eu o levaria de qualquer jeito, para ser sincero, se ela tivesse me oferecido mais uns três ou quatro pares, eu pagava por eles, mas ela não faria isso, ela não usaria do poder que ela certamente sabia que exercia sobre mim para me fazer comprar algo que eu não precisasse. Ela era honesta demais para isso.
Deixei a loja com uma vontade imensa de comer algo que eu sequer me lembrava que gostava, mas que todos aqueles acontecimentos me fizeram sentir como se eu a mordesse: amarela como ouro, meus dentes sentiam necessidade de destroçá-la, minha boca era só desejo, não havia como negar, mas onde, naquela hora, eu poderia encontrá-la.
Quase não acreditei quando meus ouvidos captaram aquele som. Era sorte demais para um só dia. Parei de caminhar, olhei para a direção de onde vinha o som. Uma Kombi anunciava:
- Pamonhas, pamonhas, pamonhas. Pamonhas de Piracicaba.
Acenei para o carro que prontamente parou.
- Essas pamonhas são boas mesmo? – perguntei.
- São especiais. Não tem erro, pode comprar sem medo. São legítimas pamonhas de Piracicaba.
Como minha vontade de comer pamonhas era imensa, comprei logo três, acreditando que fossem mesmo de Piracicaba, embora o vendedor eu constatasse que não fosse de lá.
Mais duas quadras de caminhada e estava em casa. Só aguentei esperar porque já estava muito perto. Olhei então para aquele pacotinho embrulhado com palha verde de milho e o desembrulhei como uma criança que abria o seu tão esperado presente de natal, porém sequer dei tempo de meus olhos admirarem o meu tesouro, meu desejo era maior que estes pequenos prazeres do meio do caminho. Minha boca se abriu e em uma só dentada arrancou quase a metade da pamonha.
Não sei explicar qual foi o meu sentimento naquele instante, mas posso afirmar que deu muito trabalho para limpar o sofá e levou certo tempo para eu conseguir tirar aquele gosto da boca.
Pamonha de Piracicaba! Só se a mãe dele se chamar Piracicaba.
Terminei o ontem no sofá, chorando sozinho. Tudo o que me acontecera, fizera-me lembrar de Serma – escrito desta forma mesmo -. Na verdade, nem sei mais se chorei por ela, se chorei pela cidade dela ou se chorei por tudo estar tão diferente.
Duas décadas e alguns anos atrás fui passar minhas férias no interior. Tinha catorze para quinze anos, não era a minha primeira vez naquela cidade, mas foi a que marcou minha vida.
Em meu primeiro domingo na cidade, meus primos me levaram para eu conhecer o que seria a minha primeira paixão piracicabana, o Nhô Quim. O jogo era XV de Novembro de Piracicaba X Corinthians. O meu timão que tinha Neto, Ronaldo e Tupãzinho não suportou a força do Nhô Quim que venceu por 2 X 0, entrei no Barão gambá e saí torcendo para o alvinegro piracicabano.
E não era só gambá, podia vir bambi, sardinha, porco que lá no Barão quem mandava era o XV. É, quem mandava, porque o grande XV de Novembro de Piracicaba só é forte hoje na memória de seus torcedores.
Meu primeiro porre, porre mesmo, de não me lembrar do que fiz, foi durante aquelas férias. A última cena de que me lembro foi: Eu e meus primos abraçados, fedidos, sujos, sem motivo algum para esboçar um sorriso, cantando “O riiio de Piracicaaaba vai joooogá aguá prá fora, quaaaando chegá a água dos zóóóóios de arguém que chora”. Será que ainda existe rio em Piracicaba?
O basquete feminino brasileiro era um dos melhores do mundo naquela época, e havia a rivalidade Piracicaba X Sorocaba. Deus me livre perder para aquele povo caipira de Sorocaba, os sorocabanos pensavam a mesma coisa, eles tinham a rainha deles, Hortência, nós, uma mulher que não jogava, fazia mágica, “Magic Paula”. O ginásio lotava e íamos ao delírio com a Paula, a melhor jogadora de basquete que o Brasil já teve jogava lá em Piracicaba. Bom, hoje jogando em Piracicaba tem... é melhor deixar pra lá.
Será que aquelas férias não aconteceram de verdade? Ou foram algumas sementinhas que encontraram terreno fértil em minha imaginação e desenvolveram-se esplendorosamente?
Será que nunca existiu esse time de futebol em Piracicaba que fazia os grandes pensar que um empate no Barão seria vitória?
Devo acreditar que o rio de Piracicaba nunca foi homenageado na música brasileira?
Quando vi Fidel brincar dizendo que não entregaria a medalha de ouro àquela jogadora que havia arrasado a defesa da seleção cubana de basquete feminino no Pan de Havana, teria eu sonhado que ela jogava em Piracicaba?
Já não sei mais o que é ilusão, talvez o mundo todo seja uma ilusão, ou uma pamonha. Sim, porque também me recordo do sabor das pamonhas que comi naquelas férias. E hoje, tudo o que ouço sobre Piracicaba é a famosa frase: “Pamonhas de Piracicaba”. Todo mundo faz pamonha de Piracicaba, por que não saem anunciando: “Pamonhas de Campinas”, “Pamonhas de Jundiaí”, “Pamonhas de Araraquara”. Chega de nos enganar. Eu quero uma legítima pamonha de Piracicaba! Se é que ela ainda existe.
Ia terminar este texto, mas me lembrei de Serma, ela foi o motivo principal de eu escrevê-lo. Não, acho que não foi, mas mesmo assim vou falar dela.
Eu a conheci no meu último dia daquelas férias, avistei-a de longe e ela era tão linda, cheguei bem próximo dela e galanteei:
- Sua boca deve ter um sabor incomparável, adoraria prová-la.
Ela respondeu-me com um jeitinho tão sincero, tão simples:
- Qué prová, se num gostá e só falá que vou melhorá.
Provei e nunca mais esqueci. Passei quase um ano esperando pelas próximas férias e logo que voltei à casa do meu tio, fui correndo procurá-la. Para minha tristeza, ela havia falecido.
Por isso não sei mais o que foi realidade, o que foi ilusão, embora eu tenha vivido tudo isso intensamente. Entristecer-me-ia muito saber que nunca aconteceu nada disso, que nunca existiu Serma alguma, que Piracicaba é uma cidade que eu inventei, que ninguém sabe o que é uma pamonha e talvez até que eu tenha saído da mente de algum escritor maluco. Pensando bem...