quinta-feira, 29 de outubro de 2015

MORIMUNDO

O mundo acordou tão triste
E todos correram acudir
Trouxeram chás e remédios,
O melhor médico
Deitaram-no em felpudo colchão
Presentearam-no com ouro e diamantes
Oferendas vieram aos montes.

Um menino olhava distante
Nada tinha a oferecer
Quando o guardião descuidou
O mundo abraçou
Viveu apenas mais alguns
instantes
E se foi feliz
O mundo.



sexta-feira, 9 de outubro de 2015

PÁSSARO QUE CHARLA

Há quinze anos, fui morar em um país distante. A vida era muito difícil lá, muito desemprego e desigualdade social.
Álvaro foi uma das pessoas que conheci, estudamos juntos. Fiz algumas amizades por lá, mas ele não passou de um colega de sala. Tínhamos 18 anos, ele era o único de toda a turma que andava motorizado, tinha uma moto, presente do pai. O pai de Álvaro era um empresário conhecido e, assim que o filho completara 18, deu-lhe o veículo.
Nas poucas conversas que tive com o rapaz, ele sempre deixava claro que seu sonho era ter um carrão. Naquela época, pouquíssimos tinham carro, o pai dele era um.
Não aguentei ficar mais que um ano e voltei para o meu país. Aquele país me deixava muito triste, pensei em nunca mais voltar.
Já faz alguns anos que soube que a situação do país melhorou muito, principalmente quanto à desigualdade social. Decidi voltar a passeio. E aqui estou.
As ruas estão realmente muito diferentes, não vejo mais filas de empregos, vejo raros mendigos, quase não há crianças esmolando, mercados movimentadíssimos…
Hoje, enquanto passeava na praça central, avistei um homem descendo de um carro caríssimo. Notei que era Álvaro. Fui falar com ele. Não me reconheceu, mesmo assim lhe parabenizei:
– Parabéns! Vejo que conseguiu realizar seu sonho.
– Sonho?
– Sim, você dizia que o seu sonho era ter um carrão. Hoje você tem.
– Grande merda! Qual a graça de ter um carrão quando todos podem ter um bom carro?
Deixou-me ali parado. Continuei meu passeio pela – agora – bela cidade. “Ainda bem que em meu país não há pessoas que pensam como Álvaro.”