sexta-feira, 30 de setembro de 2011

CAPITÃO TOALHA


O imenso mar, meu mundo. Eu, meu barco e o mar; velejava em águas calmas, porém nunca fora muito chegado à tranquilidade, calmaria me deixava inquieto, gostava de ação.
Eu, meu barco, o mar e a tempestade, tempestade que chegara sem se anunciar, mesmo conhecedor do tempo em oceanos não havia como prevê-la, meu veleiro balançava, sentia que ele podia virar a qualquer momento. Esperei pelo pior, já imaginava o que faria quando me visse solto na água, seria meu fim, mas um herói como eu não se entregaria facilmente, lutaria pela vida enquanto houvesse possibilidade de mantê-la.
- Filho! Filho!
Parecia escutar a voz de minha mãe, respondi:
- Ainda não, ficarei mais um pouco aqui.
- Chega, meu filho! Já ficou tempo demais.
- Guardo boas recordações de minha mãe, mas mães muitas vezes nos fazem deixar de sonhar, fazem-nos voltar à realidade.
- Por que mãe? Por que não posso ficar mais?
- Por favor, filho. Vem!
Decidi não mais responder, continuaria lutando bravamente, afinal de contas, eu era ou não um herói?
- Já falei que chega de água por hoje!
Minha mãe virou a bacia, vi meu mar esvaziar-se ralo abaixo, naquele momento eu deixava de ser o Capitão Maré e me transformava no Capitão Toalha.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O FIM DO XIBÉ

          Todas as mulheres da cidade invejavam a beleza de Luana, e nenhum homem passava por ela sem virar o pescoço. Moça educada, culta, mulher para casar, e o felizardo era conhecido por todos. Eduardo era um rapaz belo e de uma refinada educação, não trabalhava na medicina há muito tempo, porém, era muito bem conceituado na comunidade. Namoravam fazia já muito tempo e nem a distância durante os tempos de faculdade do rapaz fora capaz de diminuir o belo sentimento que nutriam um pelo outro, era geral a certeza de que aquele seria um amor que duraria pelo resto de suas vidas. Não havia na região casal mais belo que aquele, caminhavam todas as tardes por pelo menos meia-hora esbanjando graça e saúde, pareciam viver um verdadeiro conto de fadas.
A cidade inteira conhecia Xibé, ninguém sabia de onde ele veio, na verdade, ninguém sabia nada sobre o seu passado, ele nada falava sobre isso, aliás, era difícil arrancar uma só palavra de sua boca. Por que Xibé? Porque alguém um dia resolveu chamá-lo assim, ele dizia não ter nome e foi então que alguém disse: “Ele é feio como Xibé”, o apelido pegou e nunca mais alguém o chamou de outro nome. Xibé não era feio, pois, para poder ser chamado de feio precisaria melhorar muito, tudo nele era torto: as pernas, a coluna, os dentes, o pescoço. Morava em um casebre dentro do próprio cemitério e pagava o seu cantinho e a comida que recebia com o seu trabalho ali. As crianças morriam de medo dele, as mães amedrontavam os filhos esbravejando: “Se fizer isso o Xibé vem te pegar”, ou “Olha que o Xibé passa e te leva”. Xibé servia para exemplo até para as crianças que não queriam estudar: “Olha o que acontece com quem não estuda, fica igual ao Xibé”. Não se sabia se ele era feliz, pois, nunca demonstrava qualquer sentimento, quando não estava trabalhando vivia no boteco bebendo e as poucas conversas que tinha eram lá, contava histórias difíceis de acreditar, de coisas que afirmava acontecerem durante as madrugadas no cemitério.
Faltava um mês para o casamento entre Eduardo e Luana quando ela caiu na cama, foi uma doença um tanto estranha que a derrubou de uma hora para outra, o noivo não saia do seu lado, tentou estudar o caso, tentou buscar um medicamento eficaz, porém, não teve tempo, pouco mais de vinte e quatro horas depois de adoecer sua noiva já estava sem vida.
Foi um baque tremendo para os pais, não foi nada fácil ver a menina que tinha uma promissora vida pela frente toda feliz um dia e morta no dia seguinte. O noivo não se conformava, sentia-se incapaz, culpado, salvara tantas vidas e não fora capaz de encontrar a cura para a doença daquela que tanto amara.
O velório foi comovente, toda a cidade chorou pela sua mais bela filha. O enterro foi triste, Xibé estava lá fazendo o seu trabalho, o noivo se recusava a separar-se do caixão, o comércio todo fechou, todos pararam para se despedir, a população deixou o cemitério certa de que não esqueceria aquele triste dia.
Eduardo passou a fazer certo ritual diário. Todos os dias antes de ir para o trabalho passava no túmulo de Luana e lá ficava conversando com ela por algum tempo, deixava uma flor e saia, era comovente ver a cena que aconteceu até o dia anterior ao que Eduardo saiu aos berros portão afora:
- Violaram o túmulo dela! Violaram o túmulo dela!
Logo a notícia se espalhou e toda a cidade pode comprovar que tudo era a mais pura verdade, não se comentava mais nada que não fosse o roubo da defunta, e de conversa aqui, conversa ali, alguém disse ter visto o Xibé sair na madrugada anterior do cemitério com um corpo. A conversa se espalhou como cheiro de feijoada em manhã de sábado e não tardou para um grupo liderado por Eduardo encaminhar-se até o cemitério.
A comitiva se dirigiu em direção a Xibé que não entendeu nada, alguns carregavam paus, outros, pedras e até ferros, ao perceber que ele era o alvo do ataque Xibé começou a correr, a multidão furiosa correu atrás o encurralando contra o muro.
- Vamos matá-lo – gritou alguém da multidão.
- Não, esperem, se o matarmos podemos nunca saber onde ele colocou o corpo – gritou outro.
- Fale então desgraçado, ou vai morrer – gritou um terceiro.
- O doutor sabe muito bem onde ela está – respondeu o pobre coitado, olhando para Eduardo.
Mal teve tempo de terminar a frase e o infeliz caiu ao chão, vítima de uma porretada que fora disparada pelo doutor, morreu ali mesmo apedrejado, seu sangue continua hoje lá tingindo o muro lateral do cemitério.
Ninguém foi parar atrás das grades porque o coitado não tinha quem reclamasse por ele e todos os jurados concordaram que o noivo agiu por forte emoção. Naquele dia, após sair do tribunal, Eduardo passou na casa dos “sogros”, depois foi até um bar que comumente frequentava, jantou e foi para casa, tomou seu banho e foi para a cama, porém, ao deitar-se fez as mesmas coisas que fazia há algum tempo: beijou sua noiva, desejou boa noite, prometeu nunca afastar-se dela e amá-la por toda a sua vida.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

TUDO VALE A PENA / SE A BUNDA NÃO É PEQUENA

A televisão me deixou burro, muito burro demais...” (TITÃS)

Acabarei não mais ligando minha TV, ainda insistia em manter esse aparelho em funcionamento duas ou três vezes por semana. Amante do esporte que tem como rei um negro que trajava manto branco, ainda persistia em acompanhá-lo, mas a televisão está fazendo com que até o futebol perca a graça.
Pelé socava o ar, Neto deslizava de joelhos na grama, Alessandro dava cambalhotas, Lela fazia caretas, Borges, felizmente, ainda dá seus mortais. O gol, o clímax, o orgasmo do futebol, o momento único para o goleador, seu companheiro e para milhares de torcedores que anseiam por ver a explosão de alegria de seu artilheiro.
O futebol evoluiu, mas ainda é o mesmo, o sentimento da torcida também. A bola cruza a linha da cal paralela ao travessão. “O matador” corre, balança o corpo para a direita, para a esquerda, exatamente como fizeram os autores dos três gols anteriores na partida, inclusive o da equipe adversária. Cadê a graça? Cadê a marca registrada do artilheiro? Ou, simplesmente, a liberação das emoções guardadas para tal momento? O grito de alegria? O inusitado?
Só hoje, segunda-feira, durante uma conversa com amigos de trabalho, descobri o motivo de se comemorar o orgasmo futebolístico de mecânica forma, uma campanha de um programa de TV. Tomei meu cafezinho e deixei meus amigos no momento em que começavam a falar sobre um daqueles televisivos programas domingueiros, ainda os ouvi dizer:
- Você viu a vencedora do Big Brothel Brasil no Falsão?
- Fantástica!
- Viu o que ela disse quando perguntada se valeu a pena?
- Nossa! Depois de tanto sacrifício naquela casa, uma verdadeira heroína. Ela foi perfeita.
- Não assisti. O que ela disse?
- Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena.
Pobre Fernando Pessoa.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O PRAZER DO CRÉK

           Poucas coisas na vida dão tanto prazer quanto matar baratas. O sentimento de matar uma barata é como o de fazer um gol, porém, como não se faz um gol de qualquer jeito, não se matam estes seres kafkianos com desdém.

Não gosto de matar baratas na parede, primeiro as derrubo e depois... crék, um pisão só, concluí que o importante não é matar o inseto e sim o prazer que este ato proporciona.

Devido a isso, desenvolvi algumas técnicas especiais. Como já disse, matar na parede não tem graça, assim como matá-la voando ou com o uso de inseticida. O lance está em ver o inseto cair e tentar fugir. Deve-se dar chance a ele de correr. A barata “pensar” que pode escapar também é prazeroso, por isso faz-se com que ela apenas caia ao chão, sem machucá-la, porém, o prazer do crék, ah! O prazer do crék!

Para executar um bom crék é necessário um calçado especial, não pode ser qualquer chinelo, tenho um bem surradinho, todo ressecado que é de uso exclusivo para este fim, é uma perfeição o crék que ele inflige, e crék perfeito não é assim tão fácil de obter.

O crék perfeito é como um gol de placa, o “atleta”, sim, pois o matador de baratas deve assim ser chamado, afinal de contas, matar baratas é um esporte que exige preparo físico e emocional, concentração, técnica, paciência e habilidade. Bem, o atleta deixa que a barata corra alguns decímetros e com o seu calçado mais adequado ao esporte dá um salto, que deve ser superior a 75 cm, e crék. Vale lembrar, que esmagar o bichinho não é legal e mesmo que haja crék não há prazer quando isto acontece, por isso, o salto deve ser muito bem calculado e a lateral dianteira do pisante deve atingir pouco mais que a cabeça do meliante.

Agora, vou colocar meu chinelo e irei à cozinha, se der sorte, ao acender a lâmpada encontrarei uma por lá “me esperando” e se der tudo certo ainda obtenho meu crék na primeira tentativa, estando assim, pronto para me encontrar com Claudinha e em seu corpo ter o meu segundo orgasmo no dia.

Claudinha não é uma maravilha de mulher, mas tem lá suas qualidades, além de dividir o apartamento com algumas “cucarachas”. Depois do sexo tenho grande chance de um terceiro orgasmo.

domingo, 25 de setembro de 2011

CARTA DE DESPEDIDA

Se eu morrer esta noite, morrerei feliz,

Morrerei da forma que eu sempre quis.

Se eu morrer esta noite não será por me encontrar a beira do precipício,

não quero choro, só aceito o choro de Vinícius,

que seja respirar, e chorar, e adormecer, e se nutrir de amor para poder chorar.

Esta noite não quero o olhar,

a não ser que sejam de Capitu, olhos de ressaca,

em meu peito nu esta faca.

Não quero mais este mundo, não me acuda.

só quero beijos se forem mais profundos que este abismo de Neruda.

Se morrer esta noite

Não me coloquem em um caixão.

Digam ao Nilton que irei ao lançamento de seu livro, carregar-me-ão?

A cidade cheira a pêssego e ópio

Jeane procura cronópios.

E eu já morro aos poucos

Sentirei saudade das aulas do Amarildo e Rita.

Mas que Deus permita

Que eu morra esta noite

Que eu não acorde com o Sol

Morro feliz, reencontrei Carol.

E amei cada um de vocês,

família TCC.

Façam um sarau

Falem sobre Kafka, Dickens, Balzac e Sthendal.

Chamem os russos, Dostoiévski, Tólstoi, Púchkin,

Tchêkhov, Gorki, Turguêniev e Grin.

Convidem Márquez, Llosa, Fitzgerald, Autran Dourado,

Ignácio, os Rubems, Andrade e Machado,

Quero os Verissimos, Lygia, Clarice e Quintana.

Parte minh'alma insana

esvai-se no regato

entre Ramos, Rosa, Leminski, Lobato,

Rachel, Trevisan, Drummond e Azevedos

É tarde, eu sei, já morri, e do escuro não tive medo,

mas tinha uma pedra no meio do caminho.

E se perguntarem se eu passarei, diga que eles passarão,

eu passarinho

Foz do Iguaçu, 16 de Setembro de 2011.