quinta-feira, 25 de setembro de 2014

O FIM DO XIBÉ

       Todas as mulheres da cidade invejavam a beleza de Luana, e nenhum homem passava por ela sem virar o pescoço. Moça educada, culta, mulher perfeita. Eduardo era um rapaz belo e de uma refinada educação, não trabalhava na medicina há muito tempo, porém, era muito bem conceituado na comunidade. Namoravam fazia já muito tempo e nem a distância durante os tempos de faculdade do rapaz fora capaz de diminuir o belo sentimento que nutriam um pelo outro. Era geral a certeza de que aquele seria um amor que duraria pelo resto de suas vidas. Não havia na região casal mais belo que aquele, caminhavam todas as tardes por pelo menos meia-hora esbanjando graça e saúde, o casal perfeito.
A cidade inteira conhecia Xibé. Ninguém sabia de onde ele veio, na verdade, ninguém sabia nada sobre o seu passado, ele nada falava sobre isso, aliás, era difícil arrancar uma só palavra de sua boca. Por que Xibé? Porque alguém um dia resolveu chamá-lo assim, ele dizia não ter nome e foi então que alguém disse: “Ele é feio como Xibé”, o apelido pegou e nunca mais alguém o chamou de outro nome. Tudo nele era torto: as pernas, a coluna, os dentes, o pescoço. Morava em um casebre dentro de um cemitério e pagava o seu cantinho e a comida que recebia com o seu trabalho ali. As crianças morriam de medo dele. As mães amedrontavam os filhos esbravejando: “Se fizer isso o Xibé vem te pegar”, ou “Olha que o Xibé passa e te leva”, ou “Olha o que acontece com quem não estuda, fica igual ao Xibé”. Não se sabia se ele era feliz, pois, nunca demonstrava qualquer sentimento. Quando não estava trabalhando, vivia no boteco bebendo, e as poucas conversas que tinha eram lá. Contava histórias difíceis de acreditar, de coisas que afirmava acontecerem durante as madrugadas no cemitério.
Faltava um mês para o casamento entre Eduardo e Luana quando ela caiu na cama. Foi uma doença um tanto estranha que a derrubou de uma hora para outra, o noivo não saia do seu lado, tentou estudar o caso, tentou buscar um medicamento eficaz, porém não teve tempo, pouco mais de vinte e quatro horas depois de adoecer sua noiva já estava sem vida.
Foi um baque tremendo para os pais. Não foi fácil ver a menina, que tinha uma promissora vida pela frente, toda feliz um dia e morta no dia seguinte. O noivo não se conformava, sentia-se incapaz, culpado, salvara tantas vidas e não fora capaz de encontrar a cura para a doença daquela que tanto amava.
O velório foi comovente. Toda a cidade chorou pela sua mais bela filha. O enterro foi triste, Xibé estava lá fazendo o seu trabalho, o noivo se recusava a se separar do caixão. O comércio todo fechou, todos pararam para se despedir. A população deixou o cemitério certa de que não esqueceria aquele triste dia.
Eduardo passou a fazer certo ritual diário. Todos os dias antes de ir para o trabalho passava no túmulo de Luana e lá ficava conversando com ela por algum tempo. Deixava uma flor e saia. Era comovente ver a cena que aconteceu até o dia anterior ao que Eduardo saiu aos berros portão afora:
- Violaram o túmulo dela! Violaram o túmulo dela!
Logo a notícia se espalhou e toda a cidade pôde comprovar que era  verdade. Não se comentava mais nada que não fosse o roubo da defunta, e, de conversa aqui, conversa ali, alguém disse ter visto o Xibé sair, na madrugada anterior, do cemitério com um corpo.
A conversa se espalhou como cheiro de feijoada em manhã de sábado e não tardou para um grupo liderado por Eduardo encaminhar-se até o cemitério.
A comitiva se dirigiu em direção a Xibé que não entendeu nada. Alguns carregavam paus, outros, pedras e até ferros. Ao perceber que era o alvo do ataque, Xibé começou a correr. A multidão furiosa correu atrás, encurralando-o contra o muro.
- Vamos matá-lo – gritou alguém da multidão.
- Não, esperem, se o matarmos podemos nunca saber onde ele colocou o corpo – gritou outro.
- Fale então desgraçado, ou vai morrer – gritou um terceiro.
- O doutor sabe muito bem onde ela está – respondeu o pobre coitado, olhando para Eduardo.
Mal teve tempo de terminar a frase, o infeliz caiu ao chão, vítima de uma porretada disparada pelo doutor. Morreu ali mesmo, apedrejado, seu sangue continua hoje lá, tingindo o muro lateral do cemitério.
Ninguém foi parar atrás das grades porque o coitado não tinha quem reclamasse por ele e todos os jurados concordaram que o noivo agiu por forte emoção.

Naquele dia, após sair do tribunal, Eduardo passou na casa dos “sogros”, depois foi até um bar que comumente frequentava, jantou e foi para casa, tomou seu banho e foi para a cama. Porém, ao deitar-se fez as mesmas coisas que fazia há algum tempo: beijou sua noiva, desejou boa noite, prometeu nunca se afastar dela e a amar por toda a sua vida.

PASTEL DE FEIRA

         A feira de que mais gosto é a da vila Fátima, às quintas, final de tarde. A barraca fica em frente à igreja de Nossa Senhora de Fátima, igrejinha pequena; a rua São Paulo vem, divide-se, contorna a igreja e vinte metros depois se junta, nunca entendi o porquê daquela pequena igreja-ilha, também não me interessa, nem católica sou, e, além do mais, não é por causa da capela que aquela é minha feira predileta.
         É o meu momento durante a semana. Só meu. Ele chega pouco antes das seis, deve trabalhar até cinco e meia. Vem direto do trabalho. Usa sempre uma camisa azul e calças pretas. É uniforme, isso eu sei, só  não sei onde trabalha. Nenhum bordado, nenhum crachá, nenhum amigo. Pouco fala.
         Sou eu quem sempre o atende. Há um pacto silencioso entre mim e as outras meninas. Não combinamos nada, mas Cibele atende o japonês loiro, Kátia atende o santista com cabelo Neymar, eu, meu moreno que veste azul. Sei o que ele vai pedir, primeiro um pastel de carne seca com abóbora. Minha mãe dizia que este vegetal faz sorrir, talvez seja por isso que ele tenha um sorriso tão lindo... Vou começar a comer mais abóbora. Depois, enquanto espera pelo pastel pede uma garapa; garapa, todos falam caldo de cana, ele não, e esta palavra fica tão bonita quando dita por ele, soa tão gostoso, tão perverso, parece me chamar... ga-ra-pa... Meu Deus! Tenho que parar de pensar nisso, sou moça decente. O segundo pastel que ele pede é de broto de bambu, imagino o bambu sendo mordido por ele, aquele crék que faz. Ah! Se fossem meus... Isabela! Que pensamentos são esses? Vou tomar outro banho gelado nesta noite... Uma mordida no pastel. Ah! Se o pastel fosse de broto de outra coisa que não bambu! O que estou dizendo?... Um gole de garapa, o líquido descendo pela garganta... Daria minha vida para ser o pastel, para ser apenas um gole daquela garapa... Quero sentir aqueles dentes, passar por aquela língua, descer por aquela garganta, quero... Meu Deus! Preciso de um banho gelado.
         Na quinta-feira passada ele perguntou meu nome, daqui a pouco ele chega, o que perguntará hoje?
         Ouço Cibele gritar que não tem mais pastel de broto de bambu. Ainda bem que eu deixei um escondido. Sempre escondo o que é importante.

         Lá vem ele! Que calor! Meu Deus! Preciso urgentemente de um banho gelado!

TUDO EM FAMÍLIA

        Eles nasceram no dia de natal, por isso, seus pais não tiveram dúvida ao escolherem seus nomes. Natan e Natália eram lindos, não desgrudavam nunca, estudavam juntos, tiravam notas altas e parecidas, brincavam com os mesmos brinquedos... Natan sempre protegia a irmã, e ela sempre encobria as traquinagens do irmão. Todos admiravam o amor que sentiam um pelo outro, os pais se orgulhavam de vê-los tão unidos.
Os dois cresceram e, quando entraram na fase dos namoros, não deram trabalho a seus pais. Saíam sempre juntos pela noite. Em uma dessas noites, Natan conheceu uma linda garota, pela qual se apaixonou fervorosamente, Natália aprovou o namoro e se tornou muito amiga da cunhada, e através de Luísa, esse era o nome da namorada de seu irmão, conheceu Luís, que nascera no mesmo dia e viera do mesmo ventre que Luísa. Ficaria tudo em família!
Quando saíam, os quatro iam juntos. Onde antes se acostumara a ver dois, agora se viam quatro.
Marcaram o casamento para o mesmo dia. Casaram-se na capela Nossa Senhora de Fátima. Naquele dia, não existia família mais feliz, os pais eram só alegria, como era bom ver os filhos bem casados e unidos até na hora de contrair núpcias, foi como se as duas famílias se acoplassem naquele momento. Os pais deixaram de ter dois filhos e passaram a ter quatro. Ficou tudo em família!
O início da vida conjugal foi espetaculoso. Em um domingo o almoço era na casa dos Gomes, os pais de Natan e Natália, no outro, dos Monteiro, pais da outra parte da família.
Moravam no mesmo bairro e na mesma rua, se faltava açúcar na casa de um, era só correr a casa do outro, se alguém tivesse uma dor de barriga no meio da madrugada, os irmãos acudiam, sentiam-se bem em poderem se socorrer.
Os homens eram sócios em uma loja de materiais para construção, as mulheres, professoras, porém em colégios diferentes. Eles não tinham hora certa para chegar em suas casas, no entanto nunca trabalhavam até muito tarde. Elas, no máximo, seis da tarde já estavam em seus lares.
Inicialmente, continuavam a sair como nos tempos de namoro, sempre os quatro, porém, como já dizia Mário Prata, ou seria Miguel Paiva? “Homem gosta de homem!” Veio a fase do futebol, das discussões depois do futebol; das rodadas de cerveja para falar da bunda da gostosa da Glória, que ia sempre à loja com aqueles seios pedindo para serem tirados do sutiã; das pescarias em que não se pescava nada, nem piranha; enfim, destas e outras coisas que mulher não gosta, só homem entende. Foi durante essa fase que surgiu o futebol de quinta à noite. Ambos gostavam de futebol, porém não praticavam esporte algum, daí veio a desconfiança das esposas, a resposta deles já estava pronta:
- Chega de sedentarismo, vamos virar atletas!
- Mas nunca vimos vocês jogarem futebol!
- Nunca é tarde para começar.
Claro que nunca iriam virar atletas. Para elas, isso mais parecia desculpa para uma escapada, no entanto, eles não davam motivos para elas desconfiarem que tinham outra. Decidiram acreditar no tal futebol.
Nas primeiras quintas-feiras, os homens iam ao futebol e elas ao cinema. No início, a invenção dos irmãos Lumière foi um ótimo programa, sentiam-se felizes juntas, porém, com o passar do tempo, aquilo foi enchendo, a fila incomodava e até a pipoca parecia não ter o mesmo gosto. Estava tudo muito mecânico, decidiram mudar de programa, e, na quinta seguinte, Luísa passou na locadora, pegou um DVD e foi à casa de Natália, lá assistiriam sem precisar se deslocar, lá se sentiriam mais à vontade. E Natália estava mesmo à vontade, tão à vontade que vestia uma camisola transparente. O filme era até interessante, Luísa, no entanto, prestara mais atenção na cunhada do que na tela e assim que os créditos apareceram, dirigiu a palavra a Natália:
- Sua camisola é linda!
- Gostou mesmo?
- Sim, muito.
- Comprei ontem. Uma menina, que trabalha no colégio, vende.
- Que legal!
- Se quiser comprar, ela deixa trazer para você ver.
- Será?
- Claro que sim. Quer ver a outra que comprei?
- Comprou outra?
- Sim, quer ver?
- Quero!
As duas subiram ao quarto.
- É linda, mas gostei mais da que você está usando.
- Acho que ela fica bem em você.
- Será?
- Quer experimentar?
- Não sei, fico envergonhada.
- Qual é? Somos quase irmãs.
- Quase irmãs... na verdade... cunhadas.
- Põe, fiquei curiosa para ver como fica em você.
- Tudo bem, me passa então!
Natália começou a se despir. Já havia deixado cair uma alça, deixando à mostra o seio esquerdo quando ouviram o barulho do portão, ao olhar pela janela, Luísa constatou que seus maridos estavam chegando.
- São eles!
- Vai descendo que irei em seguida.
Luísa nunca havia descido aquelas escadas com tamanha velocidade como naquela noite. Sentou-se no sofá e fingiu estar assistindo TV quando os dois entraram, Natália apareceu em seguida trajando uma camiseta e calças legging.
A esposa de Natan chegou excitadíssima a sua casa. Como podia a cunhada tê-la deixado toda molhada? Tentou apagar o incêndio que consumia seu sexo com o marido, porém este, após o banho, virou para o outro lado e cinco minutos depois roncava. Luísa se viu obrigada a saciar-se com as próprias mãos. Enquanto tocava-se, imaginava a cunhada: o seio à mostra, ela mordiscando aqueles mamilos, degustando-os com sua língua, a parte proibida que ela vira e imaginou como seria o que não avistara. Gozou... Dormiu pensando que sempre ouvira dizer que homem tem tara pela cunhada e ria sozinha ao pensar na esposa de seu irmão.
Na outra casa, Natália experimentara um sentimento diferente e gostoso em relação à cunhada. Não fez sexo naquela noite, nem sozinha, porém, ao tirar a calcinha, constatou que estava encharcada.
As duas passaram a imaginar como seria a próxima quinta-feira. Sentiram medo. Sentiram-se anormais. Sentiram-se como se estivessem fazendo algo muito errado, porém, o proibido parecia excitá-las.          
Como prometera, Natália trouxe as tais camisolas para Luísa, que acabou comprando algumas peças, a cunhada ainda comentou que seu irmão ficaria feliz ao vê-la por baixo de uma embalagem tão excitante.
Na quinta-feira, assim que os homens saíram para o futebol, Natália dirigiu-se à casa da cunhada. Conforme haviam combinado, cada dia o filme seria em uma casa. DVD em mãos. A cunhada a esperava vestindo uma linda e sensual camisola preta. Mal o filme começou e a dona da casa percebeu a intenção da cunhada, o filme era quentíssimo. Não havia nada ali que fosse capaz de segurar o desejo que uma sentia pela outra. Foi uma experiência nova e muito prazerosa, aliás, ambas jamais haviam experimentado sexo tão bom. Gozaram de uma forma que jamais imaginavam ser possível, e várias vezes. Descobriram que só uma mulher sabe exatamente onde a outra gosta de ser tocada, só uma mulher sabe quais são os pontos que levam outra à loucura, só uma mulher sabe fazer uma “borboleta de Vênus” perfeita.
As quintas-feiras passaram a ser os dias mais gostosos de suas vidas desde então. Às vezes, até tinham sexo com os maridos em alguns outros dias da semana, porém nunca era como quinta Pensaram em se encontrarem em outros dias, mas logo concluíram que não seria bom. Uma vez por semana estava ótimo, mais, estragaria.
Em uma dessas quintas, ainda na cama, Luísa comentou com a cunhada:
- Estou desconfiada que seu irmão é gay.
- Por quê?
- Andei achando algumas coisas esquisitas entre as suas coisas de  futebol.
- O quê?
- Algumas coisas estranhas.
- Fala logo. O quê?
- Lubrificante e camisinhas.
- Puta merda!
- Natália! Já parou para pensar em uma coisa?
- O quê?
- Este futebol deles, sempre tão demorado...
- Ainda bem, assim temos bastante tempo.
- Não é isso que quero dizer! Nunca desconfiou de nada?
- De quê?
- E se eles tiverem um caso? Se eles forem gays?
            - E daí? Fica tudo em família