Ligou-me, eram duas da manhã. Não era novidade, já havia me
acostumado a suas ligações nas madrugadas. Era só brigar com o
marido que lembrava que eu existia.
Dalva não sabia, mas nos visitava todas as noites. Eu pensava levar
vantagem sobre os demais meninos do colégio, pois era comigo que ela
conversava. Eu me deliciava ao ouvi-la contar sobre suas
preferências, sobre o time de vôlei, sobre sua família. Era seu
melhor amigo. Gostava de tudo nela. Só não gostei quando ela me
contou que não era mais virgem.
- Mas como assim? Você não me contou que estava namorando com ele!
- E precisava estar namorando?
Senti-me péssimo, passado para trás. No meu inocente amor, nunca
havia imaginado que ela estaria pronta para o sexo.
***
Ficamos distantes um ano. Ligava para ela, quase nunca me atendia.
Quando respondia, dizia estar bem, e que seu namorado era ciumento.
Não fui ao seu casamento, teria ido se convidado. Três meses
depois, ligou-me. Chorava, sozinha. Ouvi suas palavras cortadas por
quase duas horas. Cessou o choro e dormiu.
***
Tivera um péssimo dia. Tentava dormir. Meu celular tocou, vi que
era ela, pensei não atender... Ela chorava, parecia desesperada,
sempre parecia. Dizia ter sido deixada pelo marido, sempre dizia. Falava em suicídio, sempre falava.
- Chega! Vá chorar para o seu marido!
Desliguei.
Saboreei um domecq.
O silêncio incomodava.
- Atende!
Outro domecq.
- Atende! Atende! Que bosta!
Eram alguns minutos passados das três quando entrei na casa dela.
Em seu quarto, vi seu doce sangue e a faquinha caída próxima a suas
mãos.
Visitei-a todos os dias, e, quando saiu do hospital, quis ficar em
meu apartamento.
Encontrei seu marido alguns dias depois, tentei fugir, mas meu
ex-amigo me chamou:
- Não se preocupe. Pode ficar com ela. Detesto mulher fraca.
Fiquei mesmo, por dois anos, enquanto ela quis... enquanto ele não
a quis.
Poucos meses depois, ela me ligou. Chorava dizendo que o mataria.
- Vá a merda! - gritei.
Domecq... Dormi.
Na manhã seguinte recebi nova ligação.
- Me ajuda!
- O que aconteceu?
- Me ajuda! Por favor!
- O que está acontecendo?
Não disse mais palavras.
Saí desesperado. Entrei em sua casa com a impressão de que já
vivera aquela cena. Avistei o sangue, era amargo. Sorri.
***
- Trouxe meu bolo de fubá?
- Claro!.. Não se incomoda dele chegar assim?
- Sabe que adoro farofa.
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