quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O FIM DO XIBÉ

          Todas as mulheres da cidade invejavam a beleza de Luana, e nenhum homem passava por ela sem virar o pescoço. Moça educada, culta, mulher para casar, e o felizardo era conhecido por todos. Eduardo era um rapaz belo e de uma refinada educação, não trabalhava na medicina há muito tempo, porém, era muito bem conceituado na comunidade. Namoravam fazia já muito tempo e nem a distância durante os tempos de faculdade do rapaz fora capaz de diminuir o belo sentimento que nutriam um pelo outro, era geral a certeza de que aquele seria um amor que duraria pelo resto de suas vidas. Não havia na região casal mais belo que aquele, caminhavam todas as tardes por pelo menos meia-hora esbanjando graça e saúde, pareciam viver um verdadeiro conto de fadas.
A cidade inteira conhecia Xibé, ninguém sabia de onde ele veio, na verdade, ninguém sabia nada sobre o seu passado, ele nada falava sobre isso, aliás, era difícil arrancar uma só palavra de sua boca. Por que Xibé? Porque alguém um dia resolveu chamá-lo assim, ele dizia não ter nome e foi então que alguém disse: “Ele é feio como Xibé”, o apelido pegou e nunca mais alguém o chamou de outro nome. Xibé não era feio, pois, para poder ser chamado de feio precisaria melhorar muito, tudo nele era torto: as pernas, a coluna, os dentes, o pescoço. Morava em um casebre dentro do próprio cemitério e pagava o seu cantinho e a comida que recebia com o seu trabalho ali. As crianças morriam de medo dele, as mães amedrontavam os filhos esbravejando: “Se fizer isso o Xibé vem te pegar”, ou “Olha que o Xibé passa e te leva”. Xibé servia para exemplo até para as crianças que não queriam estudar: “Olha o que acontece com quem não estuda, fica igual ao Xibé”. Não se sabia se ele era feliz, pois, nunca demonstrava qualquer sentimento, quando não estava trabalhando vivia no boteco bebendo e as poucas conversas que tinha eram lá, contava histórias difíceis de acreditar, de coisas que afirmava acontecerem durante as madrugadas no cemitério.
Faltava um mês para o casamento entre Eduardo e Luana quando ela caiu na cama, foi uma doença um tanto estranha que a derrubou de uma hora para outra, o noivo não saia do seu lado, tentou estudar o caso, tentou buscar um medicamento eficaz, porém, não teve tempo, pouco mais de vinte e quatro horas depois de adoecer sua noiva já estava sem vida.
Foi um baque tremendo para os pais, não foi nada fácil ver a menina que tinha uma promissora vida pela frente toda feliz um dia e morta no dia seguinte. O noivo não se conformava, sentia-se incapaz, culpado, salvara tantas vidas e não fora capaz de encontrar a cura para a doença daquela que tanto amara.
O velório foi comovente, toda a cidade chorou pela sua mais bela filha. O enterro foi triste, Xibé estava lá fazendo o seu trabalho, o noivo se recusava a separar-se do caixão, o comércio todo fechou, todos pararam para se despedir, a população deixou o cemitério certa de que não esqueceria aquele triste dia.
Eduardo passou a fazer certo ritual diário. Todos os dias antes de ir para o trabalho passava no túmulo de Luana e lá ficava conversando com ela por algum tempo, deixava uma flor e saia, era comovente ver a cena que aconteceu até o dia anterior ao que Eduardo saiu aos berros portão afora:
- Violaram o túmulo dela! Violaram o túmulo dela!
Logo a notícia se espalhou e toda a cidade pode comprovar que tudo era a mais pura verdade, não se comentava mais nada que não fosse o roubo da defunta, e de conversa aqui, conversa ali, alguém disse ter visto o Xibé sair na madrugada anterior do cemitério com um corpo. A conversa se espalhou como cheiro de feijoada em manhã de sábado e não tardou para um grupo liderado por Eduardo encaminhar-se até o cemitério.
A comitiva se dirigiu em direção a Xibé que não entendeu nada, alguns carregavam paus, outros, pedras e até ferros, ao perceber que ele era o alvo do ataque Xibé começou a correr, a multidão furiosa correu atrás o encurralando contra o muro.
- Vamos matá-lo – gritou alguém da multidão.
- Não, esperem, se o matarmos podemos nunca saber onde ele colocou o corpo – gritou outro.
- Fale então desgraçado, ou vai morrer – gritou um terceiro.
- O doutor sabe muito bem onde ela está – respondeu o pobre coitado, olhando para Eduardo.
Mal teve tempo de terminar a frase e o infeliz caiu ao chão, vítima de uma porretada que fora disparada pelo doutor, morreu ali mesmo apedrejado, seu sangue continua hoje lá tingindo o muro lateral do cemitério.
Ninguém foi parar atrás das grades porque o coitado não tinha quem reclamasse por ele e todos os jurados concordaram que o noivo agiu por forte emoção. Naquele dia, após sair do tribunal, Eduardo passou na casa dos “sogros”, depois foi até um bar que comumente frequentava, jantou e foi para casa, tomou seu banho e foi para a cama, porém, ao deitar-se fez as mesmas coisas que fazia há algum tempo: beijou sua noiva, desejou boa noite, prometeu nunca afastar-se dela e amá-la por toda a sua vida.

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